A Revisão do Teto Antes da Constituição Federal de 1988 (Tema 76 STF)

A Revisão do Teto Antes da Constituição Federal de 1988 (Tema 76 STF)

Professor Ederson Ricardo Teixeira

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A Revisão do Teto (Tema 76 STF) e suas Implicações aos Aposentados de Antes da Constituição Federal de 1988

 

INTRODUÇÃO

 

Por oportuno, infere-se desde já que o presente artigo visa demonstrar o alcance da revisão do teto aos benefícios com início anterior ao advento da Constituição Federal de 1988, cuja matéria tem sido decidida com grande divergência entre os Tribunais Regionais Federais.
 

Conforme r. decisão proferida no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 564.354 / SE, Rel. Min. Carmem Lúcia, DJe 15/02/2011, restou assentado pela Suprema Corte, não havendo que se falar em limites temporais relacionados à data do início do benefício, devendo ter reconhecido o direito à reposição do prejuízo decorrente da limitação ao teto os benefícios concedidos antes das Emendas Constitucionais 20/98 e 41/2003.
 

Assim, o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 564.354 / SE, decidiu pela aplicação imediata das regras estabelecidas no artigo 14 da Emenda Constitucional 20, de 15.12.98 e no artigo 5º da Emenda Constitucional 41, de 19.12.03, aos benefícios previdenciários limitados em seu teto por ocasião do cálculo da renda mensal inicial, in verbis:

"DIREITOS CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. ALTERAÇÃO NO TETO DOS BENEFÍCIOS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA. REFLEXOS NOS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS ANTES DA ALTERAÇÃO. EMENDAS CONSTITUCIONAIS N. 20/1998 E 41/2003. DIREITO INTERTEMPORAL: ATO JURÍDICO PERFEITO. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO DA LEI INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Há pelo menos duas situações jurídicas em que a atuação do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição da República demanda interpretação da legislação infraconstitucional: a primeira respeita ao exercício do controle de constitucionalidade das normas, pois não se declara a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei sem antes entendê-la; a segunda, que se dá na espécie, decorre da garantia constitucional da proteção ao ato jurídico perfeito contra lei superveniente, pois a solução de controvérsia sob essa perspectiva pressupõe sejam interpretadas as leis postas em conflito e determinados os seus alcances para se dizer da existência ou ausência da retroatividade constitucionalmente vedada.

2. Não ofende o ato jurídico perfeito a aplicação imediata do art. 14 da Emenda Constitucional n. 20/1998 e do art. 5º da Emenda Constitucional n. 41/2003 aos benefícios previdenciários limitados a teto do regime geral de previdência estabelecido antes da vigência dessas normas, de modo a que passem a observar o novo teto constitucional.

3. Negado provimento ao recurso."

(Rel. Min Cármen Lúcia, m.v., DJU 15.02.11, ement. 2464 - 03).

 

DA APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NA TESE JURÍDICA DO RE 564.354 / SE AOS LIMITADORES DENOMINADOS MENOR E MAIOR VALOR-TETO

Entendemos que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 76, assinalou que o limitador não faz parte do cálculo do benefício a ser pago, e por esta razão, se esse limite for alterado, o novo valor deve ser aplicado ao valor inicialmente considerado como redutor.

Considerou o STF, portanto, nas palavras do eminente Ministro Gilmar Mendes, que “o teto é exterior ao cálculo do benefício”. Portanto, segundo tal interpretação, o redutor original tem por função apenas limitar o valor do benefício previdenciário no momento de seu pagamento, não impedindo que o valor eventualmente glosado em virtude de sua incidência venha a ser, total ou parcialmente, considerado por ocasião de um aumento real do valor do teto, o que ocorreu por intermédio das Emendas Constitucionais 20/98 e 41/03.

No campo prático, deve ser suprimida a aplicação do menor e maior valor-teto no cálculo da média salarial do benefício. Assim, a média dos salários de contribuição é submetida apenas ao coeficiente relativo ao tempo de contribuição/serviço, podendo resultar numa RMI maior que a concedida, cuja diferença evoluirá sempre limitada ao maior valor-teto, exclusivamente para fins de pagamento.

Destaca-se ainda, que no referido entendimento adotado pelo STF, o salário de benefício é o resultado da média corrigida dos salários de contribuição que compõem o período básico de cálculo, calculada nos termos da lei previdenciária de regência.

Após, para fins de apuração da renda mensal inicial, o salário de benefício é limitado ao valor máximo do salário de contribuição vigente no mês do cálculo do benefício e, na sequência, recebe a aplicação do coeficiente de cálculo relativo ao tempo de serviço/contribuição. Deste modo, segundo o STF, o salário de benefício é preexistente à referida glosa aplicada pelo menor e maior valor-teto.
 

Por tais razões, o salário de benefício reflete o histórico contributivo do segurado, ou seja, o aporte das contribuições vertidas ao longo da vida ativa e a devida contraprestação previdenciária mensal, de forma que, a renda mensal inicial do benefício deveria corresponder ao valor do salário de benefício apurado, proporcional ao tempo de serviço/contribuição do segurado, e assim se manter, submetida à política de reajustes da Previdência Social até o advento dos novos patamares.
 

Entretanto, a legislação previdenciária estabelece tetos que devem ser respeitados, no que diz respeito ao valor máximo do benefício a ser pago pela Previdência Social, os quais são fixados levando em consideração que o salário de contribuição é a principal base de cálculo das contribuições arrecadadas e, também, das prestações previdenciárias.

Assim, embora o segurado fizesse jus à percepção de benefício em montante superior ao limite estabelecido na lei, pois lastreado em contribuições suficientes para tanto, não poderá receber da Previdência Social contraprestação mensal em valor que exceda ao abate teto em cada período.

Nesse sentido, importante observar que o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 564.354-SE é de que a restrição existe apenas para fins de pagamento, não havendo redução do salário de benefício, que, como se viu, é a própria média corrigida dos salários de contribuição integrantes do período básico de cálculo. Razão pela qual, a equação original no momento da concessão fica inalterada: o salário de benefício, expressão do aporte contributivo do segurado, será sempre a base de cálculo da renda mensal a ser percebida em cada competência, respeitado o limite máximo então vigente.

Portanto, conforme se depreende de muitos entendimentos adotados, principalmente no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, “a única tradução que isto pode nos permitir fazer, é que, elevado o teto do salário de contribuição sem que tenha havido reajuste das prestações previdenciárias (como no caso das Emendas Constitucionais 20/1998 e 41/2003), ou reajustado em percentual superior ao concedido àquelas, o benefício “recupera o que normalmente receberia se o teto à época fosse outro”, no dizer do Ministro Marco Aurélio, ou, de acordo com o Ministro Ayres Britto, “os já aposentados segundo um teto vigente à época da aposentadoria são catapultados para o novo teto automaticamente”. (TRF-4 - AG: 50374325220194040000 5037432-52.2019.4.04.0000, Relator: PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 03/09/2019, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC)

Portanto, ao nosso ver restou fixado pelo STF o entendimento de que o limitador é elemento externo à estrutura jurídica do benefício previdenciário, o valor apurado para o salário de benefício integra-se ao patrimônio jurídico do segurado, razão pela qual todo o excesso não aproveitado como consequência dessa restrição poderá ser utilizado sempre que alterado o teto, adequando-se ao novo limite.

 

DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR DO TRF DA 3ª REGIÃO

Em recente decisão firmada no IRDR nº 5022820-39-2019.4.03.0000[i], o Tribunal Regional Federal da Terceira Região, acolhendo a tese da Desembargadora Federal Relatora Inês Virginia, firmou entendimento de que somente quando o salário de benefício superar o maior valor-teto é que seria devida a recomposição, definindo assim, que o menor valor-teto não funcionaria em tese como limitador, vejamos:

E M E N T A

CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL.  IRDR – INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS.  DA SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DO PROCESSO-PILOTO EM RAZÃO DA CONSTATAÇÃO DO ÓBITO DO AUTOR. POSSIBILIDADE DE IMEDIATO JULGAMENTO DO MÉRITO DO IRDR. AUTONOMIA ENTRE OS PROCEDIMENTOS. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 976, §1º C.C OS ARTIGOS 978 E 980, TODOS DO CPC/2015. READEQUAÇÃO DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS ANTERIORMENTE À PROMULGAÇÃO DA CF/88 AOS NOVOS TETOS PREVIDENCIÁRIOS INSTITUÍDOS PELAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS 20/98 E 41/03. APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA EXTRAÍDA DO RE 564.354/SE (AMPLIATIVE DISTINGUISHING), DESDE QUE, NO MOMENTO DA CONCESSÃO, O BENEFÍCIO TENHA SOFRIDO LIMITAÇÃO PELO MVT – MAIOR VALOR-TETO, DEVENDO TAL LIMITAÇÃO E EVENTUAL PROVEITO ECONÔMICO DAÍ DECORRENTE SEREM DEMONSTRADOS NA FASE DE CONHECIMENTO.

  1. O art. 978, parágrafo único, do CPC/2015, pretende garantir que os processos-pilotos sejam submetidos ao mesmo órgão que julgou o IRDR. É possível que o IRDR e a causa-piloto sejam julgados em momentos distintos, sempre observando-se a precedência no julgamento do incidente. A solução da questão comum (veiculada no IRDR) é diferente da solução do caso concreto (veiculada no processo-piloto). Para resolver a questão comum e fixar a tese jurídica, o processo deve reunir elementos que permitam o conhecimento da controvérsia; e o processo-piloto é um dos elementos que serve de suporte para formação do incidente, mas não é o único. Daí porque, conquanto não haja previsão legal expressa nesse sentido, a inteligência do art. 976, §1° c.c. o art. 980, ambos do CPC/2015, autoriza a postergação do julgamento de um processo-piloto no caso de óbito da parte ou quando constatada necessidade de regularização processual imprescindível para o deslinde do feito individual, sem prejuízo da prévia solução da questão comum do IRDR.
  2. Pode-se extrair do precedente formado no RE 564.354/SE, a seguinte norma jurídica: é possível a readequação dos benefícios concedidos antes da entrada em vigor das EC 20/98 e 41/03 aos novos tetos por estas instituídos, desde que: (i) o benefício que se busque readequar tenha sofrido limitação ao teto previdenciário vigente no momento da concessão; e que (ii) a readequação não dependa nem enseje a alteração do regime jurídico e da fórmula de cálculo aplicável no momento da concessão da benesse. Tal conclusão está assentada nos seguintes fundamentos: (iv) o segurado, a partir do seu histórico contributivo (salários de contribuição), adquire o direito a receber um determinado valor a título de benefício previdenciário; (v) a esse direito pode se opor o teto previdenciário. Além disso, há que se considerar que (vi) tal precedente foi formado num caso em que o benefício objeto da lide fora concedido em 1995, logo na vigência da Lei 8.213/91 e que (vii) o STF, a partir do regramento constitucional, considerou o teto previdenciário um elemento externo à estrutura do benefício e cuja incidência pressupõe a formação do direito adquirido do segurado.
  3. Identificadas a norma jurídica geral formada no precedente paradigma e as circunstâncias fáticas e jurídicas que lhe são subjacentes, faz-se possível lançar mão da técnica do confronto – distinguishing - por meio da qual o magistrado compara a situação que lhe é posta com aquela que deu origem ao precedente, aplicando-lhe a ratio decidendi deste (ampliative distinguishing) se as circunstâncias e peculiaridades de ambos os casos forem compatíveis, ou não (restritive distinguishing), caso identifique incompatibilidade entre as peculiaridades dos casos confrontados.
  4. No âmbito do E. STF, já foram proferidas algumas decisões no sentido de que o julgamento do RE 564.354/SE não impôs qualquer limite temporal em relação à aplicação da sua ratio decidendi. Há, inclusive, julgados da Suprema Corte no sentido de que a norma jurídica geral extraída de tal precedente deve ser aplicada aos benefícios concedidos antes da entrada em vigor da CF/88. Considerando que tais decisões não têm força vinculante, em que pese a sua eficácia persuasiva, e que o E. STF não se debruçou, no precedente mencionado, sobre a legislação pré-constitucional, não há óbice ao exame da pretensão objeto deste incidente. Pelo contrário. A inexistência de precedente obrigatório, aliada à divergência existente nesta Corte em relação a esse tema tornam admissível esse incidente, conforme assentado já no acórdão que o admitiu.
  5. O artigo 58 do ADCT não impôs uma revisão propriamente dita aos benefícios concedidos antes da CF/88, tampouco alterou o regime jurídico aplicável aos benefícios concedidos anteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988; ele apenas os reajustou. Como a sistemática de cálculos aplicada quando da concessão dos benefícios foi mantida, tem-se que ela, na verdade, foi recepcionada pela CF/88 e pelo RGPS, o qual, a partir do seu advento, passou a regulá-los. O recálculo determinado por mencionado dispositivo – diferentemente do que aconteceu, por exemplo, com a revisão prevista no artigo 144, da Lei 8.213/91 para os benefícios concedidos no denominado buraco negro - não alterou a fórmula de cálculo aplicada no momento da concessão, tendo, antes, partido do resultado desta. Por conseguinte, os reajustes decorrentes do artigo 58, do ADCT e, posteriormente, do artigo 41, § 3º, da Lei 8.213/91 não constituem circunstância suficiente para afastar a possibilidade de readequação fundada no RE 564.354, eis que tais reajustes não excluem eventual limitação originária, havida no momento da concessão do benefício.
  6. Na sistemática da Lei 8.213/91, o cálculo do benefício é feito em etapas e o limitador previdenciário, majorado pelas emendas constitucionais, pode incidir sobre o “salário de benefício”, sobre a “renda mensal” e sobre a renda mensal reajustada. Nas palavras do e. Ministro Gilmar Mendes, o teto previdenciário consiste num “elemento externo à estrutura jurídica do benefício previdenciário, que não o integra” e cuja incidência “pressupõe a perfectibilização do direito, sendo-lhe, pois, posterior e incidindo como elemento redutor do valor do benefício”.
  7. Embora o regime pré-constitucional previsse duas figuras que continham a expressão “teto” em sua denominação, o mVT (menor  valor-teto) e o MVT (maior valor-teto), o exame acurado de tal regramento revela que apenas o segundo (MVT) assume os mesmos contornos jurídicos do “teto previdenciário” previsto no RGPS.
  8. O MVT incidia tanto sobre o salário de benefício, quanto na da renda mensal e, até mesmo, da renda mensal reajustada, sendo que, sobre aquele (salário de benefício) incidia integralmente (100% do MVT) e sobre esta (renda mensal) parcialmente (90% do MVT). Além disso, o MVT incidia após a definição do valor do salário de benefício e da renda mensal, podendo ensejar o descarte de parte dessas verbas. Tudo isso conduz à conclusão de que o MVT se subsome ao conceito de teto previdenciário delineado pelo i. Ministro Gilmar Mendes do RE 564.354.
  9. No regime anterior à CF/88, o cálculo do benefício era igualmente feito em etapas. Na primeira, apuravam-se os salários de contribuição, dos quais se extraía uma média correspondente ao salário de benefício, o qual não podia ser inferior ao salário mínimo, nem superior a 20 (vinte) vezes o maior salário mínimo vigente no país (MVT). Ou seja, na sistemática pré-CF/88, o salário de benefício poderia sofrer limitação a um teto (MVT), à semelhança do que se verifica no RGPS.
  10. A partir do salário de benefício, calculava-se o valor da renda mensal, observando-se uma equação bem diferente do regramento estabelecido pela Lei 8.213/91 e suas sucessivas alterações.
  11. Se o salário de benefício fosse igual ou inferior a 10 (dez) vezes o maior salário mínimo vigente no país (mVT), sobre ele se aplicava o coeficiente do benefício, alcançando-se, com isso, a renda mensal do benefício, o valor do benefício.
  12. Quando o salário de benefício superava o mVT, o cômputo da renda mensal era submetido a outro critério de cálculo, sem qualquer correspondência com a sistemática instituída pela Lei 8.213/91. A renda mensal era alcançada a partir da soma de duas parcelas calculadas a partir do desmembramento do salário de benefício: (a) a primeira correspondia ao produto da multiplicação do mVT pelo coeficiente do benefício; e (b) a segunda, correspondia à diferença entre o salário de benefício e o mVT, multiplicada  pelo coeficiente legal - isto é tantos 1/30 (um trinta avos) quantos forem os grupos de 12 (doze) contribuições acima de 10 (dez) salários-mínimos -, sendo que essa segunda parcela tinha que respeitar o limite máximo de 80% (oitenta por cento) do mVT. A par disso, a somas das parcelas “a” e “b”, o valor da renda mensal, não poderia ser superior a 90% (noventa por cento) do valor do MVT.
  13. A limitação da renda mensal a 90% do MVT nada mais é do que um desdobramento natural da sistemática de cálculo da época e que apenas servia para ratificar a limitação imposta ao salário de benefício pelo MVT (100%). Como (i) o mVT equivalia à metade do MVT; (ii) a parcela (a) não podia ser superior ao mVT; e (iii) a parcela (b) não podia ser superior a 80% do mVT; a soma dessas parcelas, a renda mensal, necessariamente não ultrapassava 90% do MVT (100% do mVT + 80% do mVT = 180% do mVT = 90% do MVT).
  14. Enquanto o MVT incide sobre o salário de benefício, o teto de 90% do MVT incide sobre a renda mensal. Mas a limitação do benefício, em verdade, se dá por meio da incidência do MVT sobre o salário de benefício, sendo apenas ratificada pela incidência de 90% do MVT sobre a renda mensal. Esse sistema de dupla limitação – incidência, primeiramente, do teto sobre o salário de benefício e, posteriormente, sobre a renda mensal –, como visto, está presente também no regramento do RGPS, no qual o teto incide tanto sobre o salário de benefício quanto sobre a renda mensal. Só que, na sistemática pré-CF/88, em razão de uma peculiaridade do cálculo da renda mensal – desmembramento do salário de benefício e impossibilidade de a parcela “b” do cômputo da renda mensal superar 80% do mVT (cf. itens 12 e 13) -, há a necessidade de se estabelecer uma distinção entre o porcentual do MVT que deve incidir sobre o salário de benefício (100%) e o incidente sobre a renda mensal (90%), o que não se verifica no RGPS.
  15. Daí porque, para fins de readequação, há que se verificar se o salário de benefício do segurado sofreu limitação pelo MVT.
  16. O mVT – menor valor-teto, de seu turno, não ensejava o descarte de qualquer parcela do valor do salário de benefício ou da média dos salários de contribuição. Ele apenas servia de baliza ou referência para determinar qual das fórmulas de cálculo previstas na legislação seria utilizada para a definição da renda mensal.
  17. A parte do salário de benefício que excedia o mVT, no mais das vezes, terminava sendo reduzida, mas isso se dava em razão do coeficiente legal, de sorte que o fato de o salário de benefício superar o mVT não autoriza a readequação na forma delineada no RE 564.354.
  18. A tese sustentada em favor dos segurados, a pretexto de eliminar a restrição supostamente imposta pelo mVT – inexistente, como visto -, na verdade, elimina uma das etapas da sistemática de cálculo da época e um dos seus elementos intrínsecos, o coeficiente legal, o que é incompatível com as condições impostas pelo STF para a procedência do pedido de readequação: o respeito ao ato jurídico perfeito e à irretroatividade das leis; a necessidade de preservação da equação primária do cálculo.
  19. O coeficiente legal, aplicado no cálculo da segunda parcela da renda mensal, é elemento intrínseco ao cálculo; sua aplicação é essencial para a aferição de uma renda mensal (valor do benefício) mais compatível com o histórico contributivo do segurado. É precisamente por isso que ele correspondia a 1/30 a cada grupo de 12 contribuições que superasse o mVT. Com isso, o legislador assegurava um tratamento proporcional e isonômico aos segurados, aumentando, de um lado, o valor do benefício daqueles que vertiam contribuições superiores ao mVT na exata medida destas e, de outro, evitava que o segurado, nos últimos anos de atividade, recolhesse contribuições incompatíveis com o seu histórico contributivo como forma de inflar, artificialmente, o seu salário de benefício.
  20. Reconhecida a possibilidade de os benefícios concedidos antes da promulgação da CF/88 serem objeto da readequação nos termos delineados no RE 564.354, DESDE que fique demonstrado que, no momento da concessão, o salário de benefício sofreu limitação pelo MVT – Maior Valor-teto. Precedentes da TNU (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 0505630-53.2016.4.05.8500, TAIS VARGAS FERRACINI DE CAMPOS GURGEL - TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO) e de algumas das C. Turmas que compõem esta E. Seção.
  21. Para o reconhecimento do direito à readequação dos benefícios pré-constitucionais aos novos tetos das ECs 20/98 e 41/03, é indispensável a demonstração de que o valor readequado resulte numa renda mensal superior àquela percebida pelo segurado quando da entrada em vigor dos novos tetos instituídos pelas ECs 20/98 e 41/03. Do contrário, não haverá proveito econômico ao segurado. Deve-se aferir se a readequação dá lugar a uma nova renda mensal em 12/1998 e 01/2004 superior à percebida pelo segurado, o que deve ser feito “mediante o confronto entre a evolução da média ajustada (mantendo-se os componentes do menor valor-teto, coeficiente de benefícios, e coeficiente legal (1/30 para cada grupo de 12 contribuições acima do mVT)”, nos termos constantes das informações prestadas pelo Setor de Contadoria desta Corte (id. 143274610).
  22. Assentada a necessidade de se aferir, ainda na fase de conhecimento, se a readequação pleiteada tem o condão de gerar proveito econômico ao segurado, já que a efetiva limitação do salário de benefício pelo MVT e o eventual proveito econômico daí decorrente consistem em fatos constitutivos do direito do segurado, devendo, por conseguinte, serem provados para que se possa reconhecer a procedência do pedido. Ademais, em razão da evolução legislativa sobre o tema e dos fatores econômicos e históricos relacionados ao salário-mínimo, a existência de tal proveito econômico é de difícil constatação matemática, conforme estudos juntados aos autos, o que só vem a corroborar a necessidade de sua comprovação no caso concreto. Por fim, com tal exigência, evitam-se as denominadas execuções vazias e assegura-se uma prestação jurisdicional mais eficiente, impedindo que o Judiciário se debruce mais alinhadamente sobre uma questão que não trará quaisquer benefícios às partes.
  23. Definida a seguinte tese jurídica: o mVT - menor valor-teto funciona como um fator intrínseco do cálculo do valor do benefício e não pode ser afastado para fins de readequação; ao mesmo tempo, os benefícios concedidos antes da promulgação da CF/88 podem ser objeto da readequação nos termos delineados no RE 564.354, DESDE que, no momento da concessão, o benefício tenha sofrido limitação pelo MVT – maior valor-teto, devendo tal limitação e eventual proveito econômico daí decorrente serem demonstrados na fase de conhecimento, observando-se em tal apuração a incidência de todos os fatores da fórmula de cálculo vigente no momento da concessão do benefício [mVT, coeficiente de benefício e coeficiente legal (1/30 para cada grupo de 12 contribuições superiores ao mVT). (grifamos)
  24. Incidente acolhido.

     

Em que pese a ponderabilidade decisória, a tese firmada pelo TRF da 3ª Região afasta o direito de todos os segurados que sofreram a limitação ao menor valor-teto, mesmo que referido limitador tenha sido o responsável pela redução da média contributiva do segurado. Ao nosso entender o alcance da decisão do STF no Tema 76 deve ir além desta definição, alcançando também aqueles que tiveram sua base contributiva achatada pelo menor valor-teto.


 

DA DECISÃO FIRMADA EM INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Em outra ponta, através de recente decisão firmada no IAC nº 5037799-76.2019.4.04.0000, o Tribunal Regional Federal da Quarta Região, por maioria, acolhendo voto do Relator Desembargador Federal Celso Kipper, consolidou a tese de que tanto o menor como o maior valor-teto devem ser afastados na atualização do salário de benefício para fins de readequação aos tetos das Emendas Constitucionais 20/98 e 41/2003, in verbis:

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. ADMISSIBILIDADE. REVISÃO DE BENEFÍCIO. TETOS. EMENDAS CONSTITUCIONAIS Nº 20/1998 E 41/2003. TEMA 96 DO STF (RE 564.354/SE). BENEFÍCIO ANTERIOR À CF/88. APLICABILIDADE. MENOR E MAIOR VALOR-TETO. ELEMENTOS EXTERNOS AO BENEFÍCIO. METODOLOGIA DE CÁLCULO. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.

1. A insegurança jurídica decorrente da ausência de consenso, nos julgados deste Tribunal, a respeito da repercussão das alterações no teto dos benefícios previdenciários estabelecidas  pelas ECs nº 20/98 e nº 41/03 aos benefícios concedidos antes da CF/88, especialmente no tocante à forma de cálculo da nova renda mensal e de eventuais diferenças, autoriza a instauração do Incidente de Assunção de Competência com base no parágrafo 4º do artigo 947 do CPC, para que as teses jurídicas produzidas por esta 3ª Seção ponham fim à divergência e sejam aplicadas a todos os demais processos da 4ª Região de forma vinculante.

2.  No julgamento do RE 564.354/SE (Tema 76, Relatora Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha), o Supremo Tribunal Federal  decidiu que "Não ofende o ato jurídico perfeito a aplicação imediata do art. 14 da Emenda Constitucional n. 20/1998 e do art. 5º da Emenda Constitucional n. 41/2003 aos benefícios previdenciários limitados a teto do regime geral de previdência estabelecido antes da vigência dessas normas, de modo a que passem a observar o novo teto constitucional", reconhecendo o limitador de pagamento (teto do salário de contribuição) como elemento externo à estrutura jurídica dos benefícios previdenciários, razão pela qual o valor apurado para o salário de benefício integra-se ao patrimônio jurídico do segurado e todo o excesso não aproveitado por conta da restrição poderá ser utilizado sempre que alterado o teto, adequando-se ao novo limite.

3. Restando admitido pela Suprema Corte que o segurado deveria receber a média de suas contribuições, não fosse a incidência de teto para pagamento do benefício, tal raciocínio é indistintamente aplicável tanto aos benefícios concedidos após a Lei nº 8.213/91 como àqueles deferidos no interregno conhecido como "buraco negro" ou sob a ordem constitucional pretérita.

4. Foi consagrada pelo STF a aplicabilidade do princípio jurídico “Tempus regit actum” em matéria previdenciária,  no sentido de que a lei de regência é a vigente ao tempo da reunião dos requisitos para a concessão do benefício. Assim, para a apuração da nova renda mensal, o salário de benefício originariamente apurado, conforme as regras vigentes na DIB, deve ser atualizado mediante a aplicação dos índices de reajustamento dos benefícios em manutenção, sendo posteriormente limitado pelo teto vigente na competência de pagamento da respectiva parcela mensal.

5. Menor e maior valor-teto, previstos respectivamente nos incisos II e III do art. 5º da Lei nº 5.890/73, assim como o limitador de 95% do salário de benefício, estabelecido pelo § 7º do art. 3º do citado dispositivo legal, consistem em elementos externos ao benefício e, por isso, devem ser desprezados na atualização do salário de benefício para fins de readequação ao teto vigente na competência do pagamento da prestação pecuniária.

6. Tratando-se de benefício anterior à CF/88, o menor e maior valor-teto deverão ser aplicados para o cálculo das parcelas mensalmente devidas, até a data da sua extinção. A partir de então, os novos limitadores vigentes na data de cada pagamento é que deverão ser aplicados sobre o valor do salário de benefício devidamente atualizado. Desse modo, o valor do salário de benefício originalmente apurado deverá ser evoluído, inclusive para fins de aplicação do art. 58/ADCT, e sofrer, mensalmente, a limitação pelo teto então vigente para fins de cálculo da renda mensal a ser paga ao segurado. (grifamos)

7. Cumpre destacar que tal metodologia não caracteriza a revisão do ato concessório do benefício ou alteração da forma de cálculo uma vez que os limitadores de pagamento são elementos externos ao próprio benefício, incidentes apenas para fins de pagamento da prestação mensal e não integram o benefício propriamente dito. Ademais, a RMI não sofreu qualquer alteração, uma vez que permaneceu incólume até a ocorrência da primeira majoração que trouxe ganho real ao teto de pagamento, efetivada em percentual superior àquele aplicado para fins de reajuste da renda mensal dos benefícios em manutenção naquela data. Resta demonstrado, com isso, que a hipótese não se submete a prazo decadencial, uma vez que não se está revisando o ato de concessão em si.
 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, consolidar as seguintes teses para os efeitos do art. 947, § 3º, do CPC/2015: (1) O entendimento firmado pela Suprema Corte no julgamento do 564.354/SE, no sentido de que o histórico contributivo do segurado compõe seu patrimônio e deve, sempre que possível, ser recuperado mediante a aplicação dos novos tetos de pagamento vigentes na respectiva competência, também é aplicável para os benefícios concedidos antes da vigência da Constituição Federal de 1988; (2) Menor e maior valor-teto, previstos respectivamente nos incisos II e III do art. 5º da Lei nº 5.890/73, assim como o limitador de 95% do salário de benefíco, estabelecido pelo § 7º do art. 3º do citado dispositivo legal, consistem em elementos externos ao benefício e, por isso, devem ser desprezados na atualização do salário de benefício para fins de readequação ao teto vigente na competência do respectivo pagamento; e (3) A readequação da renda mensal ao teto vigente na competência do respectivo pagamento, mediante a atualização monetária do salário de benefício apurado na data da concessão, não implica qualquer revisão do ato concessório do benefício, permanecendo hígidos todos os elementos - inclusive de cálculo - empregados na ocasião, razão pela qual não se aplica, à hipótese, o prazo decadencial estabelecido pelo art. 103 da Lei nº 8.213/91. No mérito, a 3ª Seção decidiu, por maioria, dar provimento ao recurso do segurado e, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS, nos termos do voto do relator. Vencidos, em parte, os Desembargadores Federais JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ e TAIS SCHILLING FERRAZ, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 24 de março de 2021.

 

Como se pode extrair desta decisão, toda vez que é elevado o teto do salário de contribuição sem que tenha havido reajuste das prestações previdenciárias, como o que ocorreu no caso das Emendas Constitucionais nº 20/98 e nº 41/03, o benefício "recupera o que normalmente receberia se o teto à época fosse outro", no dizer do Ministro Marco Aurélio, ou, de acordo com o Ministro Ayres Britto, "os já aposentados, segundo um teto vigente à época da aposentadoria são catapultados para o novo teto automaticamente".
 

Portanto, alinhamo-nos ao entendimento do TRF da 4ª Região no referido IAC, “de que o histórico contributivo do segurado compõe seu patrimônio e deve, sempre que possível, ser recuperado, a restrição deve existir apenas para fins de pagamento, não havendo redução do salário de benefício, que, como se viu, é a própria média corrigida (segundo os critérios de atualização da época) dos salários de contribuição integrantes do período básico de cálculo.”
 

E por fim, ao nosso olhar, é possível concluir que o menor e maior valor-teto constituíam limitadores externos ao benefício, visto que limitavam o valor da renda mensal inicial somente depois da a apuração do salário de benefício (média contribuitiva), razão pela qual, para os benefícios concedidos antes da vigência da Constituição Federal de 1988, conforme definido no voto do Eminente Relator do IAC, “o entendimento consagrado na Suprema Corte poderá ser aplicado para recompor o benefício em razão de excessos não aproveitados em duas hipóteses:

1. quando o salário de benefício tenha sofrido limitação mediante a incidência do menor valor-teto;

2. quando, mesmo não tendo havido essa limitação, a média dos salários de contribuição recomposta através do art. 58/ADCT alcançar, em dezembro/91, valor igual ou maior que o teto do salário de contribuição então vigente (Cr$ 420.002,00 ou 10,000047619 salários-mínimos), situação em que haverá excesso a ser considerado nos reajustes subsequentes, pois, em janeiro/92, considerando que benefícios e teto do salário de contribuição do mês anterior receberam o mesmo índice de reajuste, fatalmente terá havido glosa por parte da autarquia previdenciária por ocasião do pagamento ao segurado/beneficiário, com reflexos que perduram até os dias atuais.”


 

Por tais razoes, não restam dúvidas quanto ao direito de os beneficiários do INSS de antes da Constituição Federal de 1988 terem sua base contributiva readequada aos novos tetos estabelecidos pelas Emendas Constitucionais 20/98 e 41/2003, sem qualquer abate teto até então para fins de adequação, uma vez não estarem excluídos da possibilidade de readequação segundo os referidos tetos instituídos, conforme os parâmetros definidos no julgamento do RE 564.354 / SE (Tema 76).

 

 

Profº Ederson Ricardo Teixeira
Instagram: @professorricardoteixeira

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